A Questão Chinesa
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Existem múltiplas linhas de conflito na sociedade chinesa derivadas da hierarquia étnica e da opressão de gênero, ao mesmo tempo a transição da China ao capitalismo nos últimos quarenta anos também deu início a novas formas de luta de classes. Mesmo se cada um desses eixos de conflito produza tipos distintos de resistência, desde 1989 eles compartilham algumas características em comum. Em primeiro lugar, tais lutas, com apenas algumas exceções, foram apresentadas como apolíticas e sem antagonismo ao Partido Comunista. Em segundo lugar, a resistência permanece bastante fragmentada e descentralizada, o que significa que não há organizações transregionais ou nacionais capazes de sustentar a mobilização dos movimentos sociais. Em terceiro lugar, e relacionado aos pontos anteriores, a mobilização tende a focar em questões materiais imediatas, em vez de articular queixas locais às estruturas nacionais (ou transnacionais) de dominação. É difícil afirmar com clareza se essas características dão-se por uma crença sincera de que os governos locais são corruptos e a liderança central, benevolente, ou se a apresentação política dócil é apenas uma tática de sobrevivência. Dito isso, embora os levantes individualmente não se apresentem em termos radicais, a natureza generalizada da resistência social expressa um grande desafio ao governo e às forças empresariais.
Talvez a principal fonte de agitação venha dos trabalhadores. A insurgência operária cresceu em escopo e intensidade ao longo dos anos 2000 e 2010, impulsionada pela escassez de mão de obra e um ambiente político relativamente permissivo. Após uma enorme onda de greves na indústria automobilística em 2010, houve até uma discussão pública sobre a garantia do direito de greve para os trabalhadores — direito esse que havia sido retirado da Constituição em 1982, quando o país embarcava nas reformas de mercado. No entanto, quando Xi Jinping assumiu o poder, em 2012, o governo tomou uma direção abertamente antioperária. Até reformas sindicais tímidas foram suspensas, e o pequeno número de ONGs independentes de trabalhadores foram reprimidas, enquanto diversos ativistas tiveram de cumprir anos na prisão.
Em 2018, um movimento de estudantes universitários marxistas, que apoiavam a luta dos trabalhadores na fábrica de máquinas de soldagem Jasic, em Shenzhen, parecia promissor. Mas, apesar da afinidade declarada dos ativistas por Marx e Mao, o Estado, ainda autodeclarado socialista, incomodou-se profundamente com essa aliança politizada de classes, reprimindo-a com dureza, prendendo e fazendo desaparecer muitos ativistas e sujeitando-os a tortura, confissões forçadas e prolongadas detenções extrajudiciais. Embora os movimentos incipientes de uma década atrás tenham se tornado menos assertivos e espetaculares, protestos e greves trabalhistas esparsos e em pequena escala continuam intactos.
É impossível determinar com precisão quantos protestos ocorrem na China a cada ano, já que o governo faz esforços extremos para impedir a circulação de informações relacionadas às agitações. O sociólogo Sun Liping fez uma estimativa, bastante citada, de 180.000 protestos em 2010. Lu Yuyu — um jornalista ativista que contabilizou protestos sociais utilizando fontes digitais — documentou pelo menos 70.000 deles durante um período de três anos, até 2016. Em seguida, ele cumpriu uma sentença de quatro anos de prisão por essa iniciativa. Independente do número específico de protestos, sabemos que o governo está extremamente preocupado com a instabilidade social.
A grande expansão da capacidade policial se dá em conjunto com o desenvolvimento de um aparato de censura e vigilância digital abrangente e bastante eficaz. Em suma, apesar de não haver ameaça imediata de instabilidade, o Estado não está disposto a se arriscar.